Na última postagem, trouxemos a crônica de Helios sobre o movimento Futurista, mais tarde conhecido como Modernista, que culminou na realização da Semana de Arte Moderna de 1922, com a presença marcante Menotti del Picchia, poeta, jornalista, político, romancista, contista, cronista e ensaísta, nascido em 20 de março de 1892, em São Paulo e falecido em 23 de agosto de 1988, também na capital paulista.
Como arauto do movimento Modernista brasileiro, divulgou o espírito da Semana de Arte Moderna, em crônicas assinadas por seu pseudônimo Helios, no Correio Paulistano e Diário da Noite. A pergunta é: Como um parnasiano acabou por se tornar um grande defensor dos ideais libertários do movimento Modernista brasileiro?
O Príncipe dos Poetas Brasileiros, como proclamado em 1982, teve sua presença em vários gêneros literários, mas foi com o poema Juca Mulato, publicado em 1917, marcadamente parnasiano na forma, mas fortemente assinalado com a exaltação do homem típico brasileiro – um país rural até então. Juca Mulato é um drama do amor de um trabalhador de fazenda apaixonado pela filha do patrão.
Juca Mulato evidencia, assim, por um lado, uma poesia sertanista, de um regionalismo sentimental que, no contexto do modernismo nascente à época da sua publicação, remonta aos ideais do nacionalismo romântico almejando um sentimento de brasilidade através dessa personagem candidamente forte e, por outro, a relação universal do homem com a natureza mediante uma experiência amorosa revelando a universalidade literária dessa obra (BEZERRA e OLIVEIRA, 2017, p. 331).
Campos (2007) relembra-nos que o autor, em suas memórias, associa que sua proximidade a Oswald de Andrade está relacionada à publicação de Juca Mulato. A amizade com Miramar aproximou-o também de Anita Malfatti e Tarsila do Amaral, concedendo-lhe, se podemos assim dizer, o passaporte para o famoso Grupo dos Cinco, de que já tratamos neste espaço dedicado ao Centenário de 1922.
A bibliografia de Menotti del Picchia é extensa, sendo os mais conhecidos Poemas do vício e da virtude, 1913; Moisés, 1917; Juca Mulato, 1917; Máscaras, 1919; Salomé, 1940. Além de poeta, Menotti del Picchia foi um jornalista persuasivo, que demonstrou em suas crônicas do Correio Paulistano liberdade de expressão e autoridade às crônicas, sobre cujos temas abordou. Seu trabalho destinou-o à imortalidade: foi eleito em 1.º de abril de 1943, o 3.º ocupante da Cadeira 28, da Academia Brasileira de Letras. O título foi recebido do amigo acadêmico Cassiano Ricardo[1] em 20 de dezembro daquele ano.
Juca Mulato cisma. A sonolência vence-o.
Vem, na tarde que expira e na voz de um curiango,
o narcótico do ar parado, esse veneno
que há no ventre da treva e na alma do silêncio.
Um sorriso ilumina o seu rosto moreno.
No piquete relincha um poldro; um galo álacre
tatala a asa triunfal, ergue a crista de lacre,
clarina a recolher; entre varas de cerdos,
mexem-se ruivos bois processionais e lerdos
e, num magote escuro, a manada se abisma
na treva.
Anoiteceu.
Referências:
BEZERRA, Cícero Cunha e OLIVEIRA, Ricardo Itaboraí Andrade. Juca Mulato: mística e modernismo. Revista de Literatura, História e Memória, Cascavel, v.
ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Menotti del Picchia. Disponível em: https://www.academia.org.br/academicos/menotti-del-picchia. Acesso em: 25 mar. 2021.
CAMPOS, Maria José. Versões modernistas do mito da democracia racial em movimento: estudo sobre as trajetórias e as obras de Menotti del Picchia e Cassiano Ricardo até 1945. 2007, 371f. Tese (Doutorado em Antropologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
CASA MENOTTI. Menotti del Picchia: o príncipe dos poetas. Disponível em: https://www.casamenotti.com.br/. Acesso em: 25 mar. 2021.
[1] Ele e Menotti del Picchia foram tema da tese de doutorada de Maria José Campo: Versões modernistas do mito da democracia racial em movimento.
CENTENÁRIO DA SEMANA DE ARTE MODERNA DE 1922 